Quando eu era criança lembro-me de assistir por meio de aparelho de videocassete ao prestigiado filme chamado “O Exterminador do Futuro” que apresentava um cenário apocalíptico onde as máquinas se rebelaram contra a humanidade após assumirem um estado de autoconsciência. Numerosos jogos de videogame, desenhos e filmes como Blade Runner, Matrix, Gattaca, Robocop O Predador, Eu Robô, por exemplo, traziam cenários futuristas de ação e guerra envolvendo o desenvolvimento e o uso de tecnologias avançadas (até mesmo de origem alienígena) que permearam e forjaram o imaginário de grande parte das pessoas de minha geração.
Assim, os nativos digitais nascidos na década de 80 tiveram a tecnologia incorporada ao seu dia-a-dia e, isso ocorreu diante de uma tela que amiúde projetava em nosso subconsciente um futuro onde a humanidade cedo ou tarde seria considerada como obsoleta e confrontada pela sua própria criação: as máquinas! Revisitando o passado eu costumo afirmar que “nunca se tratou de entretenimento ou ficção científica, mas pura programação preditiva”.
Os anos passaram e o que era considerado como ficção científica e até então, impossível de acontecer, concretizou-se diante de nossos olhos na mais palpável realidade: o passado se atualizou e estamos vivenciando já nesta geração a total implementação de uma nova Revolução Industrial onde a Inteligência Artificial (IA) será inevitavelmente (grifou-se) instalada em todos os segmentos do conhecimento técnico, científico e jurídico, chegando mesmo, em alguns casos a substituir totalmente a mão-de-obra humana.
A IA torna uma máquina de computador capaz de exibir capacidades humanas, o que inclui raciocínio, aprendizagem, planejamento e criatividade. Esta tecnologia de processamento recebe os dados (já preparados ou coletados), trabalha o processamento de modelos e algoritmos, e responde dúvidas sobre previsão e tomada de decisão. Estes sistemas também são capazes de adaptar o seu comportamento, analisando os efeitos de ações anteriores e trabalhando de forma autónoma.
Uma das áreas impactadas será a investigação de crimes que já está sendo remodelada pela IA onde as formas tradicionais de avaliação das lesões, dos métodos de autópsia, do diagnóstico até a elucidação dos casos de interesse à justiça serão complementadas e cambiados com a IA de modo a superar e transcender as “limitações humanas”.
A IA já desempenha um papel fundamental na resolução das divergências de opiniões de importância médico-legal, especialmente naqueles casos mais complexos em que peritos sem formação nas áreas Médicas precisam atuar na coleta de amostras biológicas, na detecção de toxinas, na análise e interpretação de alterações patológicas dos órgãos e sistemas, tornando o procedimento pericial/legista mais rápido, preciso e fidedigno, uma vez que as máquinas não são influenciadas por sono, estresse, corrupção, parcialidade, raiva, cansaço, dor e medo como ocorre com os humanos. Estas máquinas já estão aprendendo a prever os resultados de eventos balísticos de alta complexidade, prevendo os limites balísticos de blindagens, a profundidade de sua penetração e análise de letalidade/sobrevivência com alto nível de precisão preditiva.
Atualmente, o procedimento padrão para exame de balística terminal é feita comparando-se duas amostras de tiro, sendo um projétil coletado na cena do crime e o outro obtido de um tiro-teste. Assim, recuperados os projéteis e com o uso de um microscópio é possível que o examinador balístico compare os projéteis para verificar sua fonte e se foi disparada por meio da mesma arma de fogo, o que é uma análise subjetiva. Tecnologias avançadas como o microscópio virtual, microscópio quântico 3D, inteligência artificial e a interface cérebro-computador como a Neurallink irão propiciar uma análise objetiva das marcas de raias e características individuais de um projétil aperfeiçoando o exame balístico, tornando a avaliação mais confiável e imparcial, em detrimento dos métodos convencionais.
A quarta Revolução Industrial está reformando completamente inúmeras áreas das ciências tornando-se a nova “pedra angular” em nossa sociedade. Na área periciais, a IA já é capaz de apoiar os peritos e toxicologistas em tarefas analíticas de alta complexidade impactando significativamente o modo de analisar, interpretar, diagnosticar e esclarecer os crimes e a sua autoria. .Um exemplo de tomada de decisão pela IA ocorre na medicina P5 (preditiva, personalizada, preventiva, participativa e psicocognitiva), onde os diagnósticos e prognósticos são totalmente definidos pela IA. .
Esta tecnologia já está presente em nossas vidas mesmo que muitas vezes não a percebamos como nas compras em rede, automação residencial, veículos etc. Na área médica, a IA já é utilizada para analisar grandes quantidades de dados médicos e descobrir correspondências e padrões para melhorar o diagnóstico e a prevenção de doenças, especialmente porque os erros médicos são a terceira maior causa de óbitos humanos em todo o mundo. Na medicina forense, as aplicações da IA são numerosas e se tornarão inevitávelmente mais comuns até o ponto em que as atividades periciais serão totalmente dependentes desta tecnologia para sua plena execução.
“Inteligência Artificial é a última invenção que a humanidade precisará fazer” (Filósofo sueco Nick Bostron)
Referencias
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